Arca das Letras: Mulheres do meio rural são exemplo
de luta em prol da educação
08/03/2012 04:27
Indígena, casada, cinco filhos,
16 netos, agricultora familiar, educadora e agente voluntária de leitura. Estas
são características que compõem a marcante personalidade de dona Alcinda Pinho
Cadete, 53 anos, moradora da comunidade Vicinal Rio Branco, no município de
Cantá, em Roraima. A comunidade é formada por 40 famílias, das quais seis
dividem com ela o lote de 98 hectares. Lá, produzem macaxeira, milho e arroz.
“Não usamos todo o lote para o plantio, porque doamos parte para a construção
da igreja, da escolinha e agora da biblioteca”, explica dona Alcinda.
Originária da tribo Taurepang,
ela é ativista na luta pela educação desde 1996, quando fundou, em sua
comunidade, uma pequena escola para atender crianças em idade escolar que não
haviam sido alfabetizadas por falta de professor e escola nas proximidades.
“Eu fui uma pessoa que sentiu na
pele as dificuldades de ser mulher, pobre e do campo, com acesso dificultado à
educação. Ao me deparar com as crianças sem escola, revivi a minha situação do
passado”, conta, emocionada. Dona Alcina decidiu ensinar as crianças a ler e
escrever. “Eu, como uma cidadã, não podia guardar meu conhecimento, tinha que
repassar, tinha que fazer alguma coisa para ajudar”, relata.
Em 2007, o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA), por meio do Programa Arca Das Letras, doou à
comunidade Vicinal Rio Branco uma biblioteca rural, e este foi um momento de
grande importância para os moradores. “A Arca mudou a minha vida e da minha
comunidade”, diz a educadora.
Dona Alcinda e mais quatro
agentes de leitura voluntários tomam conta da Arca montada na sede da
Associação de Trabalhadores Rurais da Vicinal Rio Branco. Hoje, a biblioteca
possui um acervo de 3,4 mil volumes – muito mais que os 200 exemplares que a
compunham originalmente, prova de que o Arca das Letras floresceu na
comunidade.
O aumento do acervo se deve a
doações que Dona Alcinda recebe. “Temos hoje 18 doadores fixos e, em 2010,
fomos agraciados pela Secretaria de Educação do Estado com livros de literatura
infantil e clássica, mas buscamos novas oportunidades a cada dia”.
Incentivar o hábito de leitura é
o principal desafio de dona Alcinda e dos agentes de leitura. Para criar o
hábito, ela ressalta que não basta ter uma biblioteca na comunidade. É preciso
chamar a atenção das pessoas. Para isso, investe em cartazes, datas
comemorativas e, principalmente, na capacitação dos agentes de leitura. “Para
abordarmos as pessoas, primeiro temos que conhecer o fundamento daquele livro,
saber quem é o escritor, como ele viveu, pois o que ele escreve é parte dele”,
reitera a agricultora.
“Os maiores leitores são crianças
de 4 até 12 anos, os jovens de um pouco mais de idade vem mais à biblioteca
para pesquisar. Os adultos, que são agricultores e pescadores, normalmente
recebem a leitura através dos projetos que organizamos”, explica.
Desde a chegada da Arca, em 2007,
Dona Alcinda desenvolve projetos de leitura, alfabetização e cultura com
crianças, jovens e adultos. “Mesmo que a pessoa não saiba ler, ela entende a
história que ouve”, conta, mencionando o projeto de leitura e alfabetização
para a terceira idade que ela criou e foi premiado em um concurso do Ministério
da Cultura (Minc) em 2010. “A educação para mim é o caminho, não se chega a
lugar nenhum sem ela. Tanto os jovens quantos os adultos necessitam dessa
oportunidade”, conclui.
Dona Alcinda superou as próprias
dificuldades e limitações por acreditar que pode transformar a comunidade por
meio da educação.“A semente foi plantada, adubada, já deu alguns frutos mas
tenho fé que um dia vai despontar para o mundo”, diz ela.
Prêmio Inclusão Cultural da Pessoa Idosa 2010
Em 2010, a comunidade Vicinal Rio Branco seguiu o conselho da coordenação do Programa Arca das Letras e se inscreveu no concurso da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SID/MinC), para concorrer ao Prêmio Inclusão Cultural da Pessoa Idosa 2010 – Edição Inezita Barroso. O projeto Leituras e Leituras da Vida, de alfabetização e narração de histórias a pessoas da terceira idade, venceu o concurso.
Prêmio Inclusão Cultural da Pessoa Idosa 2010
Em 2010, a comunidade Vicinal Rio Branco seguiu o conselho da coordenação do Programa Arca das Letras e se inscreveu no concurso da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SID/MinC), para concorrer ao Prêmio Inclusão Cultural da Pessoa Idosa 2010 – Edição Inezita Barroso. O projeto Leituras e Leituras da Vida, de alfabetização e narração de histórias a pessoas da terceira idade, venceu o concurso.
O prêmio de R$ 20 mil foi
investido em melhorias no espaço da Arca e na comunidade. “Estamos investindo
na biblioteca, ampliando e modernizando o espaço”, relata Dona Alcinda. “Esse
prêmio não é meu, é da comunidade, nada teria feito sem a ajuda deles, eles são
a minha força”, conclui.
Arca das Letras e as Mulheres
Rurais
O Programa Arca das Letras, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), é desenvolvido praticamente por mulheres: 90% dos servidores que atuam na sua coordenação, organização e acompanhamento do programa são mulheres e 70% Agentes de Leitura também.
O Programa Arca das Letras, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), é desenvolvido praticamente por mulheres: 90% dos servidores que atuam na sua coordenação, organização e acompanhamento do programa são mulheres e 70% Agentes de Leitura também.
“O programa começou a trabalhar
com as mulheres de uma forma bem natural. Ao abrirmos as inscrições para
implantar bibliotecas em comunidades rurais, constatamos que a maior procura
foi de mulheres”, afirma a coordenadora nacional do Programa Arca das Letras e
coordenadora geral de Ação Cultural do ministério, Cleide Soares.
O programa incetiva e promove o
acesso à leitura em comunidades rurais, implantou quase 9 mil bibliotecas em
todo o Brasil e levou a leitura a cerca de 8 milhões de pessoas no campo.
Famílias de agricultores, assentados da reforma agrária, pescadores,
quilombolas, indígenas e populações ribeirinhas são beneficiadas pela
iniciativa, onde o maior apoio à leitura parte das mulheres da família.
A coordenadora salienta as
multifunções exercidas pelas mulheres rurais diariamente. “Além das tarefas
como agricultoras, mães e donas de casa, elas se comprometem a cuidar de uma
biblioteca, o que não é uma tarefa simples. Isso tudo apenas com o objetivo de
levar a educação ao seu meio”, relata.
Cleide que é formada em
biblioteconomia, pós-graduada em gestão cultural e formulação de projetos com
participação campesina, emociona-se ao falar da sua atividade. “Nos livros,
encontrei respostas para minhas dúvidas nas questões práticas e nas
inquietações ideológicas da vida, e é um prazer compartilhar isso com os
leitores do meio rural”, afirma a coordenadora.
A coordenadora cita duas mulheres
do campo que são exemplos de vida para ela. “Menciono Dona Alcinda e Dona Zabé
da Loca, pessoas incríveis. Verdadeiros modelos de persistência. São essas
mulheres vigorosas que nos dão forças para trabalhar com alegria”, conta.
A tocadora de pífanos Zabé da
Loca, de 88 anos, recebeu este apelido porque viveu durante 25 anos em uma
gruta de pedra conhecida como “loca”, na região de Monteiro (PB), onde hoje
vive no assentamento Santa Catarina, do Incra. A artista de pífano ficou
conhecida em 2003, quando participou de uma atividade do Programa Arca das
Letras, realizada no Cariri Paraibano.
A partir dali, Zabé não parou.
Foi convidada a participar da Série Cantos do Semiárido, coletânea de artistas
desenvolvida em 2003 pela coordenação de Ação Cultural do MDA. E, em 2008,
gravou o disco Bom Todo - Zabé – Da caverna para o Mundo, trabalho que lhe
rendeu, em 2009, o primeiro lugar na categoria Revelação do Prêmio da Música
Brasileira.
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